Arte contra a barbárie ocupa ruas, praças e teatros em São Paulo, Beagá, Crato e outras cidades

por Sulamita Esteliam

Vou continuar falando em cultura e arte, porque cultura é política e política com arte é cultura e vice-versa, e tudo é direito humano. Quem não gostar que vá plantar batatas ou criar galinhas, porque tudo é trabalho decente, até a indecência da exploração do outro como meio de vida, desde que o mundo é mundo, mas agora mais do que sempre.

Você tromba com a fome e a miséria em cada esquina, é de chorar de dor. Contraditoriamente, ao menos meia dúzia de entregadores a cada sinal, os pobres “empreendedores” de bicicleta, sob sol e chuva, dia e noite, e sem direito a nada.

Pelo menos não estão roubando nem cheirando pedra nem esmolando, e usando crianças para conseguir a piedade dos incautos… Todos se achando gente para ter direitos – dirão os cidadãos de bem, que sequer têm indigestão com a comida suada que recebem em casa, no conforto do seu lar.

Uma mulher que já trabalhou comigo nos tempos em que minha caçula era criança, e também com minha filha, quando os filhos dela também eram pirralhos, e tornou-se amiga da família, liga para saber se o patrão pode descontar dela os dias de folga que lhe deu porque ele e a família viajaram.

Respondi, através do maridão, porque estava sem poder falar ao telefone, que antes não podia, mas que desmontaram a CLT e, portanto, seria bom ela buscar orientação do sindicato das domésticas, porque viramos terra sem lei.

Pois bem, o advogado lhe disse que estava errado, ele não poderia ter descontado os dias, ela reclamou seus direitos, e a mulher do patrão se surpreendeu:

 – E você agora tem advogado?

–  Sempre tive, sim senhora, do meu sindicato.

– Esta história de advogado e sindicato não me cheira bem. É uma pena, pois gostei de você e gosto muito do seu trabalho.

– Pois se a senhora gostasse de mim, deveria me pagar direito…

Dá para imaginar o resultado, não é? Pois é isso mesmo, a mulher, jovem mãe de um bebê que a mulher, minha amiga, tomava conta, não disse mais nada. Foi para o escritório, sentou-se diante do computador e redigiu a demissão da mulher para que o marido assinasse quando chegasse do trabalho à noite.

Hoje, na rua, ouvi de um cidadão idoso – muito mais velho do que esta velha escriba – responder com acinte a um guardador de carros pedinte negro, cercado por crianças. Com um sorriso de comiseração no rosto brilhante, onde se derramavam seus lisos cabelos brancos, disse sem se deter e olhando para mim, que saía do banco, como que pedindo aprovação:

– Pare de botar filho no mundo, não é só deixar nascer, tem que criar…!

E ele está errado?, me perguntaria outro cidadão de bem.

Tá tudo ótimo, tudo legal, tudo normal. É o país do umbigo à toda prova e do delírio amplamente cultivado.

Pois há quem não concorde.

E é esse pessoal que está nas ruas a partir desta terça-feira, 11 que abre a Semana da Cultura contra a Barbárie – em São Paulo, outras cidades do interior paulista, e também em Belo Horizonte/MG e no Crato-CE, sobe o mote “Arte Livre para Todos”.

Que pena que Recife não adere a essas boas ideias, uma cidade artística, cultural e política como poucas!

Enfim, a coisa brota em Sampa, num resgate do Movimento Arte Contra a Barbárie, lançado em 1999, dentro, e também é um tributo à Semana de Arte Moderna de 1922; daí a escolha dos dias 11 a 18 de fevereiro.

Se em 1999 do século passado, parte de manifesto e mobilização de sete companhias teatrais contra a mercantilização da cultura e em prol da construção de uma política cultural pública e democrática, agora o buraco é bem mais embaixo e profundo.

É protesto, mesmo, contra o desmonte da cultura, à censura e suas tentativas próprias de períodos regidos por governos autoritários, como o do capiroto que desgoverna o Brasil.

A ideia, segundo os organizadores, é contagiar as ruas com a diversidade da arte em todas as suas expressões. Mostrar o valor da cultura e chamar a atenção para a importância da liberdade para quem cria e quem desfruta. Ou seja, o público também tem o direito de escolher o que vê, assiste, lê e ouve.

Liberdade de expressão é via de mão dupla. Requer conveniência, no bom sentido, e desconfiômetro, para dizer o mínimo.

O Artigo Quinto é responsável pela organização em São Paulo. O movimento MA5 foi criado em julho de 2019 para atuar na mobilização, debate e defesa da liberdade de expressão.

A base da manifesto é o artigo 5º da Constituição Federal, que, em seus 78 incisos estabelece os direitos fundamentais, por exemplo: igualdade de gênero, liberdade de manifestação do pensamento e de locomoção –, para assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os cidadãos de nosso pais.

As apresentações e intervenções – de música, dança, teatro, literatura e artes plásticas – na capital paulista estão entremeadas com leitura do Manifesto do 5º, quase sempre nas escadarias do Teatro Municipal, no centro a partir do dia 12. A organização teve que alterar a programação, retirando da abertura as apresentações musicais, por conta da instabilidade do tempo.

No domingo, 16 se desloca para a Av. Paulista com Rua Peixoto Gomide, com muita poesia, arte circense, música e também teatro. A artista plástica Sônia Yushiyama traz sua arte da caligrafia japonesa, e o Samba do Artigo Quinto apresenta coreografia. A turma do Linhas de Sampa garante que estará presente com seus bordados, faça chuva ou faça sol.

Na terça, o evento 18 encerra com bandas e blocos de Carnaval em cortejo pelo Centro de São Paulo. Clique para acompanhar a programação completa.

Tudo isso fiquei sabendo pela internet, quando amigxs da Macondo de origem postaram fotos da abertura da Semana de Arte contra a Barbárie em Belo horizonte. Houve ato público na Praça 7. Pedi informações, alguns me responderam e fui atrás da raiz.

Creio que andei pelo mundo da lua… E ainda nem entrei no espírito do Carnaval!

Bom, em Beagá também tem arte e resistência por toda a cidade, praças, teatros e parques.  Na abertura, nesta terça, manifestações de artes diversas e leitura dos manifestos Pau-Brasil e Antropofágico, dos modernistas de 22, na Praça 7 e, à noite no Teatro da Cidade, com instalação de bordados do Coletivo Linhas do Horizonte, apresentação musical e mesa-redonda sobre o Modernismo.

Vou puxar uma sardinha para a minha brasa: no domingo, 16, a sobrinha do coração, multiartista Hyanna Solta o Verbo com voz, violão e poesia No Palco, na Serra – de 16:30 às 17:30 horas, Rua Cícero Dias, 99.

https://www.instagram.com/p/B8bXvd1giBF/?utm_source=ig_embed&utm_campaign=loading

A programação da semana é extensa, e pode ser acessada via Facebook/eventos e também Instagram/artecontrabarbariebh.

Em São Paulo, Beagá e outras cidades, o acesso a toda a programação é gratuito. São os artistas doando arte contra o desmanche de nossas

Pois, afinal, já cantaram os Titãs, de tempos áureos, em composição magistral de Arnaldo Antunes, Sérgio Britto e Marcelo Former:

“A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte”

(…)

 

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