por Sulamita Esteliam
Concordo, plenamente, com o Gilberto Maringoni, sobre a pulsão otimista, que nos faz ver as coisas pelo lado menos ruim, que nos leva a crer que sempre há uma saída.
No texto que o colega jornalista – e também cartunista e professor de Relações Internacionais em universidades paulistas – nesta terça, no Portal Disparada, ele faz longa digressão a respeito.
Vale-se da dialética proposta por Marx de que “a humanidade só se propõe à tarefas que pode resolver”.
Transcrevo mais abaixo, a partir que me faz lembrar Paulo Freire e seu legado, o verbo esperançar, que implica agir e não esperar pura e simplesmente.
Foi o que fizeram as mulheres recifenses ao se concentrar em maioria à porta da maternidade que recebeu a menina capixaba para o procedimento de aborto legal, que fundamentalistas tentaram impedir, em vão.
Foi o que fez, antes, o médico Olímpio Barbosa Moraes, diretor do Cisam. Ele se postou à frente do centro hospital para distrair os fundamentalistas – católicos em maioria, nos conta reportagem do Marco Zero Conteúdo (acesso ao pé da postagem). Enquanto isso o carro que trazia a menina e a avó pode entrar no hospital.
Todo o horror da ignorância e da crueldade vociferado em voz alta, desde o aeroporto, não foram capazes de vencer a razão e a humanidade do ato. Horror e empatia tão bem traduzidos pelos amigos cartunistas, obrigada.
Por que é disso que se trata – para além de salvar a vida da criança, não do feto – retirar o fruto de um estupro continuado do ventre da garota de 10 anos, abusada desde os 6 anos pelo tio.
Em uma das várias entrevistas que concedeu desde o domingo, o médico verbalizou o que, em essência, esta escriba questiona na postagem anterior:
“Eu duvido que Cristo chamaria uma menina de assassina. Eu tenho certeza que o homem Cristo está do nosso lado, não tenho dúvida nenhuma.”
A menina voltou a sorrir, testemunham a assistente social e o médico, benditos sejam. Ela e a avó aguardam condições seguras para não voltarem para casa, onde nunca houve segurança.
Outro lugar para viver, quiçá nova identidade, que lhes permitam recomeçar, talvez sob a guarida do Programa de Proteção à Testemunhas, o Provita.
O estuprador foi preso em Minas, e já está no Espírito Santo, sob acusação e estupro de vulnerável e ameaça. O DNA colhido do feto e da menina será cruzado com o dele para comprovar o crime, que ele admite, mas diz que não é o único; o avô e outros tios também o praticavam.
Sara, dita, Winter, a bolsonarista que divulgou o nome da menina e o endereço da maternidade, perdeu a conta no Instagram, mas fez outra; o Youtube derrubou seu canal e o Ministério Público pediu ao STF a suspensão da prisão domiciliar.
Que tenham o que merecem, no singular e no plural.
Eis o trecho referido do texto do Maringoni, reproduzindo também o título original:
Uma menina no Brasil. Há uma fagulha de esperança.
por Gilberto Maringoni – no Portal Disparada
“(…)
EU ME OPONHO FRONTALMENTE A FRASES que leio aqui e ali, dizendo que o Brasil acabou, que agora vamos para a barbárie, que tudo está perdido e estamos fodidos e mal pagos, só não vê quem não quer. São grossas bobagens. São constatações inúteis.
Isso tudo vem à baila diante do caso do estupro continuado sofrido pela menina de dez anos em quase metade de sua vida. A violência resultou em uma gravidez de altíssimo risco e despertou o ódio bestial do fundamentalismo fascista. Essas feras, falsamente preocupadas com uma vida – sequer se incomodam com 110 mil –, acusaram a criança de assassina. Não preciso detalhar a história, mais do que conhecida e comentada.
Muitos amigos escrevem e difundem a noção de que esta seria a lápide que faltava a um país mergulhado nas trevas. “O Brasil acabou” é a frase da hora.
É PRECISO PERCEBER O CONTRÁRIO. A hipocrisia e a barbárie retrógrada foram derrotadas. A gravidez indesejada foi interrompida. A ameaça de morte da menina foi revertida. É urgente dizer que – em meio à violência cotidiana, em meio ao crime contra a infância e ao abuso sexual infligido a milhares de crianças brasileiras – surgiu um ponto luminoso de Humanidade e de Ciência! O médico pernambucano e a equipe que realizou o procedimento cirúrgico, a magistrada que orientou o caso, as pessoas que foram expressar sua solidariedade em frente ao hospital e toda a corrente iluminista que se formou de Norte a Sul venceram! Nós vencemos essa guerra suja!
Estamos tão acostumados com derrotas, com tristezas e com a solidão imposta pela pandemia que às vezes nossos sentidos se embotam e não percebemos que há esperança por existir coragem e bravura. Foi dado um pequeno passo. A menina precisará de muito colo, de muito amor e de muito apoio. Sua vida foi pesadamente abalada, mas a Inteligência e a Razão prevaleceram.
O Brasil resiste e provou mais uma vez. Não é otimismo ilusório. É tensão, força e afeto. Sigamos!”
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Fontes de matérias citadas:
- Jornal GGN: ‘Duvido que Cristo chamaria uma menina de assassina’, diz médico de Recife
- Marco Zero Conteúdo: As comunidades católicas por trás do protesto contra o aborto no Recife
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