O palco da liberdade violada

por Sulamita Esteliam

Gosto de rua, desde a infância. Brincar na rua, andar pelas ruas, viajar nos detalhes das fachadas das casas, imaginar o tipo de pessoas que nelas habitam, o que se passa por trás das portas e janelas cerradas.

Por que plantam espinhos ao invés de margaridas?

Minha mãe dizia que comi canela de cachorro. Também dizia que nasci mulher com espírito de homem. Porque sempre gostei de rua: jogar bola, cantar, dançar na rua, beber cerveja na rua. Jogar conversa fora com a galera, sentar no banco da praça, observar o movimento, prosear com quem se dispõe.

Flanar por aí, sem lenço e sem documento. Olhar ao redor.

Fiz Jornalismo, e lugar de repórter é na rua. É na rua que se busca a notícia, embora ela também se produza nos conchavos e tratativas dos gabinetes públicos e privados, no restrito das alcovas, nas varandas mais ou menos devassadas.

Mas é a rua o lugar onde a vida coletiva acontece: a faina diária, “o corre”, como se diz aqui pelo Recife.

No colégio e na faculdade, descobri o protesto como arma política. A denúncia pública como lustro da coragem. Com o passar dos anos e o correr da vida, conclui que nasci militante. Inclusive da alegria. Reivindico e brinco. Protesto e reporto. Não perco passeata, show de rua, comício, Carnaval.

A rua é o palco da liberdade.

Que alegria ver o povo de volta à rua para reivindicar o direito à vida e à dignidade. Mesmo com cuidados sanitários indispensáveis, gritar para todo o mundo ouvir: #ForaGenocida!

Tristeza não poder estar junto. Gritei de casa. Pintei a faixa, e o maridão afixou na janela. Janelas militantes.

Há compensações: livramo-nos de tomar bala e gás lacrimogêneo pelas fuças.

No fim do caminho tinha os leões desgovernados do Choque.

Daniel Campelo, 51 anos, perdeu um olho no ataque insano. Jonas Correia, 29 anos, também. Alvos de balas disparadas contra a manifestação tranquila. E nem eram parte do ato. Ambos têm filhos, cinco e dois cada qual. Amealham no bico o sustento da família. E agora?

Liana Cirne , vereadora petista audaz, levou gás de pimenta direto nos olhos, qdo tentou barrar a violência, evitar as arbitrariedades.

Manifestantes que exerciam seu direito ao protesto foram violentados, alguns foram presos, algemados, tiveram que pagar fiança e vão responder a processo.

O governo estadual diz que não deu a ordem para a barbárie. Então, precisa se cuidar, porque foi desafiado. E se a ordem veio de fora, pior ainda: tem milícia no comando. Precisa tomar pulso.

Afastou o comando da operação e os soldados envolvidos na agressão à vereadora. Não está claro se atinge os autores da truculência contra o povo. É pouco. Os ovos da serpente têm que ser extintos.

Recife tornou-se ponto fora da curva no despertar do povo no #29M. Triste e indigno.

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Crédito das fotos do ato:

Abre: Eduardo Albuquerque/MZ Conteúdo

Fecha: Veetmano JcMazella

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Fontes requisitadas:

Fotos, vídeos e crônica publicados originalmente no Instagram/sulaesteliam em 30.05.2021; com pequenas adequações no texto para publicação no A Tal Mineira.

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