por Sulamita Esteliam
Postei lá no Instagram, onde este blogue está há dois anos sob censura – assim como no Facebook -, a imagem que abre esta postagem e o texto-base: uma mulher audaz, armada com sua carteira de representante do povo, de tubinho e salto agulha, cabelo arrumado e “pronta para uma festa”, enfrenta a covardia machista e truculenta de PMs sem lastro de humanidade.
Deu-se no Recife, na Ponte Princesa Izabel, dia 29M do ano de 2O21, episódio triste e indigno das tradições desta terra, e por isso mesmo de ampla repercussão. O traço preciso de Nando Motta reproduz a foto de Malu Aquino, fotógrafa da equipe do mandato da vereadora pelo PT do Recife.

Liana Cirne Lins, advogada, professora de Direito e vereadora (PT) é culpada de ser mulher e de carregar aquilo que, segundo mestre Guimarães Rosa, a vida quer da gente: coragem.
No caso, de defender o direito à livre manifestação. É culpada de tentar impedir as arbitrariedades contra as pessoas que protestavam pela vida, sem qualquer transgressão à lei, mesmo às restrições da pandemia ou ainda da ordem.
Resumo do gabinete:
“No protesto de 29 de maio, fizemos um plantão jurídico para defender manifestantes de eventuais prisões injustas durante o ato, mas não imaginávamos o cenário de guerra que iria se transformar o centro do Recife. Diante de vários pedidos de ajuda,
Liana decidiu intervir pela segurança dos manifestantes, que eram perseguidos por viaturas policiais e alvejados com balas de borracha, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogênio.”
Por conta disso foi agredida com jato se spray de pimenta diretamente nos olhos, a um palmo do seu rosto. Denunciou, protestou, reuniu-se com o governador e exigiu a identificação e punição dos agressores e dos mandantes, e o acompanhamento de todo o processo.
Leia também neste blogue: O Palco da liberdade violada
Agora, eles tentam inverter os fatos e acusá-la de desafiar, “desrespeitar a autoridade fardada”. Entre os argumentos, desmentidos pelas imagens do dia, um risível, embora próprio do machismo: o fato de a vereadora estar “de tubinho, salto 15 e cabelo arrumado, pronta para uma festa”, nas palavras da defesa dos pobres policiais agressores.
Então, incendiados por tamanha elegância, os policiais reagiram com o que tinham à mão e ao alcance do raciocínio: spray de pimenta.
Seria cômico se não fosse trágico.
Autoridade para atirar diretamente contra pessoas indefesas, mulheres, crianças inclusive, têm de sobra. A ponto de cegarem parcialmente dois homens, trabalhadores como todos os manifestantes, menos as crianças, mas que não participavam do ato: Daniel Campelo e Jonas Correia.
O que temos 11 dias depois da barbárie: caíram o comandante Geral da PM, Vanildo Maranhão, que teria dado a ordem; caiu o secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, que não mandou suspender a repressão desmedida e sem sentido. Dezenas de policiais estão afastados e sob investigação.
Dentre eles, o trio de policiais agressores de Liana Cirne. Estes, cá pra nós, deveriam ter sido presos em flagrante por tentativa de homicídio, já na segunda feira, dentro, portanto do prazo de 72 horas.
Mas e o Ministério Público Estadual, preferiu abrir um inquérito, que vai terminar como de costume: no esquecimento.
O Governo do Estado está dando assistência material e de saúde às famílias de Daniel e Jonas. Promete indenização, mas a visão completa ninguém mais pode restituí-los.
No troar das botas, não importa que tenha sido o coronel defenestrado o autor operacional da ordem.
São várias as perguntas que não querem, e não podem, calar,. As principais:
Quem está por trás da ordem de reprimir o ato, e com que objetivo?
Por que a capital de Pernambuco foi escolhida como exemplo?
O que podem os governos estaduais fazer para por fim ao ninho de cobras que está sendo gestado sob suas cadeiras?
Por que a PM, herança da ditadura de 1964-1985 não é enquadrada nos termos da Constituição Federal de 1988?
Taí um dos muitos buracos sem fundo que o Brasil precisa aterrar para vislumbrar uma democracia real.

Palavra de Liana Cirne sobre a violência de gênero
“O advogado dos policiais que me agrediram, para além de defender versão fantasiosa, cabalmente desmentida pelas provas documentais, a ponto de dizer que os policiais foram vítimas da minha ação, também foi machista. Criticou meu vestido, mjeu sapato, jeus cabelos, afirmando que eu desejava apenas chamar atenção.
Ninguém se coloca como escudo humano frente a duas viaturas com policiais fortemente armados para ‘chamar atenção’. Mas para proteger os demais, sim.
A fotógrafa que me acompanhava estava designada para a agenda de entrega de cestas básicas e visitas a uma comunidade na ZonaSul da cidade, onde inspecionaríamos vários problemas que têm sido denunciados.
Este compromisso estava previsto para o meio dia. Infelizmente, o telefone do nosso plantão jurídico começou a registrar várias denúncias de abuso policial. Troquei de roupa e me vesti como sempre me visto para exercer meu múnus (dever, encargo)de advogada: com vestido tubinho e salto alto.
Mas na versão delirante dos policiais, me vesti para uma festa de gala.
Diante de tantas agressões e mentiras, essa violência de gênero poderia passar despercebida. Mas isso seria um erro.
Denunciar a forma desrespeitosa coo nós, mulheres e advogadas (ou médicas ou balconistas ou trabalhadoras domésticas) somos tratadas é um dever!
Por isso, vou representar contra o advogado junto à OAB, pra que res´ponda por suas palavras e atos, evidentemente excessivas e ofensivas, qe extrapolam o exercício da função.”
Em tempo: sugiro, para quem se interessa em se aprofundar no assunto Polícia Militar: entrevista que os colegas Inácio França e Kleber Nunes fizeram, para o Marco Zero Conteúdo, com Adilson Paes de Souza, uma das principais autoridades sobre violência policial no país.
Ex-tenente-coronel da PM paulista, ele é doutor em Psicologia pela USP – Universidade de São paulo, com tese sobre a formação do policial assassino e a violenta subcultura das polícias brasileiras. Aqui o link.
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Fiquei dois dias com energia elétrica intermitente e, portanto, impossibilitada de acessar o portátil para atualizar o blogue; pelo smartphone não consigo.
A tal da eficiência privada é conversa… E olha que ainda não estamos na previsível crise energética. E o desgoverno ainda quer vender a Eletrbras e a Chesf!
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