Quando a esperança desce ao porão

por Sulamita Esteliam

Terça-feira gorda e lúgubre. Enquanto nossas mentes tentam desembrulhar o pacote político pós-cassação do Cunha, o Brasil real segue em frente, também com seus horrores cotidianos, dentre os quais a violência sexista e misógina. É de estarrecer constatar o que o ser humano é capaz.

Hoje, uma funcionária do Instituto Lula foi agredida por seis homens enquanto almoçava com colegas de trabalho num restaurante em São Paulo. Xingamentos de todo tipo a todo o grupo. Mas quando a moça sacou o celular para gravar, um dos sujeitos abriu a braguilha e brandiu o pênis, convidando-a fazer sexo oral com ele.

Possivelmente, é um dos milhões que se identificavam com o Cunha, o defenestrado. São esses os moralistas de plantão.

Os clientes reclamaram, e eles deixaram o local rindo. Foram fotografados, mas ainda não identificados. Um boletim de ocorrência foi lavrado na delegacia do Bairro Ipiranga, onde tudo aconteceu. O relato é do Leonardo Sakamoto, em seu blogue.

Domingo passado, no Recife, uma moça foi atacada a socos e pontapés por um desconhecido em plena Praça do Derby. Ironicamente, a praça que passamos a nominar da Democracia, por abrigar os protestos contra o golpe de Estado.

O pecado da moça foi ignorar a abordagem do bandido – sim, quem faz isso é bandido – e as gracinhas que ele lhe dirigira. E apanhou, e foi assaltada, e ninguém fez nada. Em plena luz do dia.

E olha que o local é movimentado, com estação de BRT, parada de ônibus comuns de um lado e de outro, ponto de táxi, fiteiros (barraquinhas de guloseimas) e o quartel do Comando da PM a coisa de 100 metros.

Soube pela Lola Aronovitch, do blogue feminista Escreva Lola, Escreva!, via Twitter, que colheu o depoimento da vítima no Facebook.

Abro a postagem do dia com estes relatos de acontecimentos que estupram a nossa consciência de cidadania. Há muitos outros, e são cada vez mais frequentes, para nosso desgosto.

A foto da vergonha- maio de 2015: Cunha cercado pelos asseclas que ontem o degolaram - capturada no Tijolaço
A foto da vergonha- maio de 2015: Cunha cercado pelos asseclas que ontem o degolaram – capturada no Tijolaço

Muitas dúvidas sobre o que escrever no dia após o descarte do Eduardo Cunha, “o que há de pior na política brasileira”; definição da minha amiga-irmã Eneida Ferreira Costa, em comentário aqui no blogue.

Analistas mais competentes do que esta velha escriba já traçaram um horizonte de perspectivas, que, definitivamente, não nos acalenta. Vamos do sombrio ao tétrico, da consolidação do golpe a diferentes formas de golpe dentro do golpe travestido de impeachment, legitimando-o.

O desgoverno Temer é ilegítimo, indigesto e não se sustenta. Então, vamos derrubá-lo. Mas vamos por partes.

Todas as análises e todos protestos, ou quase todos, desconsideram o gesto da presidenta Dilma de recorrer do golpe travestido de impeachment – reconhecido até nas calotas polares – que a depôs.

A lembrar, como o fez alguém nas redes sociais, que o próprio Cunha gabou-se de ter tramado o golpe. Em qualquer Democracia que se preze, o impeachment seria nulo de pleno direito. Mas o Brasil se tornou o oco do nundo, e a Constituição é um mero adereço.

Ou como disse outro dia o Ciro Gomes, com aquele seu jeito cangaceiro de ser, que pode ser útil em dadas circunstâncias: “Sem perceber, a gente carrega um golpista interior, lá dentro …!”

Não obstante, Dilma Rousseff busca “o último reduto da cidadania”, conforme o ministro Marco Aurélio Mello, em recurso no STF. E sobre isso, nem uma palavra.

O destino está traçado, não vale à pena gastar munição com causa perdida. São favas contadas, decreta-se.

Você tem o direito de discordar, mas, o sonho acabou, já cantou Gilberto Gil. E quem não dormiu de sleep bag, sequer sonhou.

Saúde, Gil! Está difícil, né?

Vamos de diretas, já!, gritam as ruas, ecoam as esquerdas, os partidos, a blogosfera progressista. É a consequência do #ForaTemer, pulsante e crescente País afora. E vem paralisação nacional, dia 22, preparatória da greve geral. Nenhum direito a menos.

Cada um cuida de si.

As diretas, quem vai convocá-las? O temeroso usurpador não tem interesse, nem tem este poder. Dilma, se reconduzida fosse, ou for, tem compromisso de sugerir o plebiscito para que o povo decida sobre eleições diretas, gerais.

Mas, a prerrogativa da convocação, seja de plebiscito, seja de eleições diretas, é do Congresso Nacional. Este Congresso que aí está. Ele o fará?

Lembra-se do que o parlamento fez com a proposta de reforma política enviada pela presidenta Dilma após o troar de vozes nas ruas em junho de 2013?

Pois é.

Os ouvidos de quem detém o poder, a plutocracia, têm se mostrado moucos à voz das ruas. Não nos iludamos com a cassação do Cunha, embora  ecoe a pressão popular, e seja impossível deixar de comemorar, não se sabe o que virá daí.

Não se pode desembarcar a esperança, mas ela desceu ao porão. Trazê-la de volta ao convés é a tarefa a encarar.

Ao que tudo indica, o Congresso trabalha com a perspectiva de quem lhe paga a farra de brincar de deus: a legitimação do golpe via outra eleição indireta.

Isso mesmo. Está previsto no Artigo 81 da Constituição Federal, e com direito à mesóclise, tão cara ao senhor #ForaTemer!

Em caso de vacância dos cargos de presidente e vice-presidente, “far-se-á eleição 90 dias depois da abertura da última vaga.” Se a vacância se der nos dois últimos anos do mandato presidencial, há “eleição para ambos os cargos no prazo de 30 dias depois da última vaga aberta pelo Congresso Nacional”.

Vale dizer: legitima-se o golpe, que nos envergonha internacionalmente.

Querem substituir a nulidade que colocaram na cadeira presidencial com o golpe parlamentar por “alguém mais confiável” – para executar as propostas de desmonte do Estado e dos direitos sociais.

Pode ser qualquer um, mas quem senão um tucano? Aquele ou aqueles que são incapazes de vencer nas urnas, todos envolvidos até o pescoço em denúncias de apropriação indébita de dinheiro público. Mas não vem ao caso.

Todavia, para que tudo siga conforme o traçado, é preciso botar fora o Temer, mas não agora, por que senão tem que haver novas eleições, diretas.

O usurpador está definitivamente enroscado na Lava Jato, a partir de delação de Executivos da Queiroz Galvão, uma empreiteira das grandes, com origem em Pernambuco.

Se isso der em nada, como deu em nada as denúncias sobre propina no Porto de Santos, o Gilmar Mendes dá um jeito lá no TSE, com as contas de campanha…

Manobra-se, mas se esquecem de combinar com o imponderável.

A propósito, recomendo a leitura atenta do último Xadrez do Luiz Nassif, mesmo que não se concorde com tudo que ele escreve – e é o meu caso.

Ora, ora! Não é o Gilmar Mendes que está com a cabeça pedida lá no Senado? E o Senado, agirá? Se agir, vai dar tempo?

Tempo para quem e para o quê?

Está no Conversa Afiada: dois requerimentos de impedimento do ministro do supremo, tucano com muito orgulho foram protocolados nesta terça. Um, dos juristas Fábio Konder Comparato, Bandeira de Mello e Roberto Amaral. Outro dos também juristas Claudio Fonteles, Gisele Citadino, Wagner Gonçalves, Antonio Mauês e Marcelo Pinto Neves.

Aos fatos. Abre aspas:

  1. manifestações públicas sobre processos, inquéritos e investigações da alçada do Supremo Tribunal Federal;
  2. o uso de linguagem impolida, desrespeitosa e indecorosa;
  3. julgamento nos casos em que seja suspeito ou impedido: quebra de imparcialidade;
  4. pedido de vistas com protelamento patentemente injustificado na devolução dos autos para julgamento;
  5. envolvimento em atividades político-partidárias.

Eis a íntegra do pedido:

https://drive.google.com/file/d/0B30g4_NQKLiQX1hQc1UwaTFsQkdfUW5yd28xc3pSTFBCeE9V/preview

Oh, meu Brasil!

 

 

 

 

2 comentários

  1. E o pior é que
    E o pior é que o golpe ainda não se completou, está em curso. Seus artífices não queriam apenas derrubar a Dilma. A trama

    inclui também levar os tucanos ao Poder, elegendo FHC, Alckmin ou Aécio por meio de eleições indiretas.

    Na verdade, não é o Temer que as elites desejam no Poder, mas um dos caciques tucanos supraditos. E o plano é: primeiro derrubar a Dilma, depois “permitir” que o Temer governe até o fim deste ano (2016) e já no início de 2017, a Mídia golpista começará a bombardeá-lo com acusações de prática de corrupção, baseadas em informações vazadas via República do Paraná. Em pouco tempo, 3 a 6 meses, Temer cairá, porque o que interessa para o PSDB é tomar o Poder pela via indireta, sem o voto popular..

    Derrubando o Temer em 2017, a escolha do novo presidente seria feita pelo próprio Congresso, e não pelo voto popular, como bem mencionado no artigo em tela. Essa é a única maneira de os tucanos chegarem ao Poder. E se isso acontecer, será desastroso para o país, um verdadeiro retrocesso..

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