por Sulamita Esteliam
Tinha programado escrever sobre o Lecampo – Curso de Licenciatura em Educação do Campo, projeto de extensão da UFMG, que formou recentemente mais uma turma integrada por professores de diversos municípios de Minas Gerais.
E vou começar por manter a pauta, por mais que o noticiário do dia me incline a delegar ao tempo. Ocorre que, se o fizer, termina no dia de São Nunca, dado o atropelo de fatos urgentes num país sob golpe e em regime terra arrasada.
Estado de exceção, sem a menor preocupação do disfarce, mas travestido de democracia – assim mesmo, com letras minúsculas, quase invisíveis.
Há que valorizar conquistas. Quando mais quando são frutos de empenho e sacrifício, do remar contra a maré.
O Lecampo é bem isso, um “tempo-escola” para, na expressão de uma aluna do curso, Isabele Andrade, de Virgolândia, “valorizar e revitalizar a cultura rural, capacitando professores para o ensino diferenciado”.
Um ensino que fala à realidade local, comunitária, na trilha pedagógica do grande mestre Paulo Freire, portanto.

Quem me enviou a dica e a foto do evento foi Maria Alves, a ativa líder do sindicalismo rural nas Gerais, companheira valorosa do Coalas Mineiras, rede feminista que esta velha escriba tem o prazer de integrar.
Na solenidade, Maria representou a Rede Mineira da Educação, que é integrada pela Fetaemg, onde ocupa a Diretoria de Políticas Sociais. Neste en-cargo, cruza as Minas Gerais levando o estímulo de sua presença forte, luminosa e articulada à luta pela manutenção e aperfeiçoamento das escolas no campo.
Tarefa hercúlea, a lembrar que Minas é um estado-país, agrário, com 853 municípios, a maioria absoluta abaixo de 20 mil habitantes – embora 32 deles estejam na faixa acima de 100 mil habitantes, número inferior apenas ao Estado de São Paulo. Dados do IBGE, que, por comodidade, acesso na Wikipédia.
A Fetaemg coordena a Rede Mineira de Educação no Campo, organização que reúne a Amefa – Associação das Escolas Famílias Agrícolas e o MST, com apoio de universidades, sindicatos, dentre outros atores.

Um belo trabalho coletivo, que garante a continuidade dos projetos, à revelia dos freios impostos pela carroça desembestada desgoverno rumo ao abismo, também na área da educação.
O presidente da entidade, Vilson Luis da Silva, patrono da turma de formandos, a que me referi na abertura da postagem, lembra, com muita propriedade, que educação é essencial à vida cidadã:
“A elite, a grande mídia e os poderosos dominam por meio da falta de pensamento crítico do povo. Quanto menos a periferia e o povo do campo não tiver conhecimento, os poderosos perpetuarão no poder. A Fetaemg e a Rede Mineira de Educação vão atacar a espinha dorsal deste processo, que é a educação. Vamos trabalhar neste frente para conseguir mudanças significativas para nosso povo.”
Lógica bem-traduzida por um deputado aliado do desgoverno ao apregoar seu voto sim pela PC 241, que congelou os investimentos sociais por 20 anos, e retirou dinheiro da Educação, sobretudo do ensino superior: “Quem não pode pagar, não estuda”.
Pensamento da casa-grande, historicamente praticado pela caneta de plantão, representantes da classe acostumada ao poder do mando, de vida e de morte. E que a arraia miúda acaba reproduzindo e vicejando
Pobre, preto e mulher, indígena e trabalhador agrário não precisa se desenvolver pelo letramento. Pra que aprender a ler, se vai pegar na enxada? Ou se nasceu para a faxina?
É o tipo de pensamento que impregna a classe média batedora das panelas hoje silenciosas. Gente como a mulher branca que perguntou a uma mulher negra, se ela “fazia faxina”, em plena rua paulistana. Recebeu de volta um educado: “Não. Faço mestrado. Sou professora”. O caso bombou nas redes sociais.
O Brasil excludente, que mal ensaiou botar a cara para fora e teve a cabeça ceifada pelo capatazes dos senhores escravagistas que, convenientemente, estacionaram no início do século passado.
Minha avó materna nasceu em fins dos anos 1800, e contava que meu bisavô – um pequeno proprietário de terras, que à sua morte mal deu para dividir com a filharada – a proibiu de frequentar a escola rural. Ela que tanto queria a decifrar as letras, ao menos desenhar o nome, e que viveu e morreu analfabeta. Por que, mulher, dizia seu pai, “já é o cão por natureza, que dirá letrada…!”
O Lecampo integra o Programa Escola da Terra, lançado pelo governo federal em 2012, e faz parte do Pronacampo. Criação do governo da presidenta legítima, Dilma Rousseff.
Na UFMG, o Escola da Terra fez-se programa de extensão, e já capacitou cerca de 1.200 professores das escolas mineiras do campo, no período de julho de 2015 a março de 2015. É o que diz avaliação feita ano passado, em seminário que também projetou o futuro se se faz presente. As ações desenvolvidas até ali tiveram impacto direto em mais de 18 mil alunos.
Fotos do alto: Blog Lecampo 2010/Iaabele Andrade
PS: Tive que interromper várias vezes a escrita, e não deu para frear o relógio…