Múltipla escolha: o fantasma que nos assombra veste farda, toga ou colarinho branco…

por Sulamita Esteliam

Há cerca de três meses, escrevi aqui no A Tal Mineira um texto sobre a soberania nacional. Disse, e repito agora, que estamos sendo pilhados, verdade inexorável. E o chefe da quadrilha é um mordomo com síndrome de avestruz, a passear seu alheamento para além das fronteiras do Brasil e da América. E pior, sob o olhar complacente da Suprema Corte.

Falava a propósito da presença do general Eduardo Villas Bôas na Comissão de Assuntos Externos do Senado, a convite do senador Roberto Requião (PMDB-PR), e que também preside a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional.

Na ocasião, o comandante em chefe do Exército Brasileiro manifestou sua preocupação e descontentamento com a falta de recursos para tocar os programas que asseguram nossa soberania; e, portanto, com nossa “perda de identidade” por “ausência de projeto nacional”.

A despeito disso, e da crise político-institucional que jogou o Brasil no caos, o general deixou claro, dentre outras coisas, que “o legado a ser defendido é a Constituição de 1988”.

Busco a memória recente, a propósito do video-bomba de outro general, com posto burocrático no Exército, viral nas redes sociais. Semana passada, Antônio Hamilton Mourão Filho insinuou para o público em loja maçônica no Distrito Federal, que as Forças Armadas podem vir a intervir, caso o Judiciário não limpe o País “desses elementos envolvidos em todos os ilícitos”.

Voz isolada ou porta-voz de ameaça, é bom lembrar, como o faz Carta Capital, que Mourão é  boquirroto reincidente.  Em 2015 foi exonerado pelo mesmo Villas Bôas, por falar o que não devia sobre a presidenta da República, Dilma Rousseff.

A diferença é que agora, o chefe decidiu não punir o falastrão. Em comum acordo com o des-ministro da Defesa, um certo Raul Jugmann (PPS), pernambucano de triste figura, também de um partido que sequer se lembra que se autodenominava de esquerda quando rachou o partidão, antigo PCB, pelas mãos do conterrâneo Roberto Freire.

Tem gato na tuba, será?

É certo que a História nos faz colocar as barbas de molho diante de bravateiros redentoristas. Quanto mais, quando é um Mourão. A mesma semanal lembra que Olímpio Mourão, em 1937, abriu caminho para o Estado Novo, a ditadura de Vargas; e em 1964 para o golpe civil-militar que gerou mais 21 anos de ditadura.

Um período de trevas, cuja herança o Brasil, ao contrário de seus vizinhos latino-americanos, se nega a passar a limpo – postura claramente sinalizada pelo traço de Lattuf, em charge de cinco anos atrás, quando atuava a Comissão Nacional da Verdade, intituída pelo governo Dilma.

De toda sorte, tempos idos, mas não redimidos, há quem considere manifestações do tipo como sendo fruto de um certo “masoquismo renitente”. É o caso do colega Fernando Brito, em artigo com argumentos sólidos no Tijolaço.

Resgata o papel, importante sem dúvida, das armas brasileiras no desenvolvimento da inteligência, da ciência e tecnologia nacionais. E fecha com outra fala do comandante do Exército, pouco mais de um mês após suas declarações no Congresso, em entrevista à insuspeita Folha de São Paulo, quando ele aponta que a saída para a crise está nas mãos dos cidadãos brasileiros: “as eleições de 2018”.

Transcrevo para facilitar a apreciação:

O masoquismo renitente de (só uma) parte dos militares

por Fernando Brito – no Tijolaço

As Forças Armadas – e suas escolas – produziram algumas das melhores inteligências deste país.

O Exército, desde cedo, solidificou a ideia da unidade nacional, mesmo num tempo em que o país, politicamente, era pouco mais que um amontoado de oligarquias provincianas e um banco de inutilidades cortesãs. Agora, vê-se reduzido a um secretário de Segurança dizer onde deve colocar seus soldados como guarda da esquina.

A Marinha, nos últimos 40 ou 50 anos, foi o núcleo de nossa ciência nuclear, com um contingente de militares-cientistas dos quais o Almirante Othon da Silva, 77 anos, agora encarcerado por 43 anos (!), era um símbolo. Agora, vai ter os laboratórios de Aramar “invadido” por inspetores tradicionais, colocando plásticos pretos sobre os equipamentos que desenvolveu, enquanto junta moedas num esforço desesperado de manter o Pro-Sub, ainda na esperança de ter um submarino de propulsão nuclear, que pode ficar sem vir à tona por longos períodos, sem o que de nada serve num planeta coberto de satélites.

A Aeronáutica, a quem se deve o sucesso mundial da empresa de mais avançada tecnologia Aeronáutica, vai assistir a entrega da “golden share” que ainda lhe dá poder de veto em aventuras desnacionalizantes e é humilhada por acusações sem pé nem cabeça nos contratos dos caças Grippen.

Não obstante, em todas as nossas Armas subsiste uma atroz incapacidade de ver que as elites políticas e econômica as querem apenas como fator mobilizável para reprimir a população, seja ela “os esquerdistas” ou os “marginais” das imensidões da pobreza, que é o lugar de onde sai o ser humano que compõe suas tropas.

Num dos episódios descritos no seu livro JK, o artista do impossível, Claudio Bojunga narra  o momento em que José maria Alckmin e o almirante Heleno Nunes, tentando resolver a crise gerada pela insubordinação do coronel Bizarria Mamede contra o Marechal Henrique Lott, um legalista, olha o carro passar pelas fachadas dos bancos na Av. Presidente Vargas; diz que estão ali, esfalfados, que “estamos acordados até essa hora para assegurar a estes senhores o direito de continuarem a ganhar dinheiro”.

Vejo debates na esquerda muito próprios dos liberais, discutindo se militares são “de direita” ou se deveriam “ser de esquerda”.

Bobagem.

Militares têm compromisso com duas coisas, basicamente.

Primeiro, com suas corporações, que estão humilhadas, enforcadas financeiramente , desviadas de suas funções – fazendo papel de polícia urbana, enquanto o controle de fronteiras é esvaziado dramaticamente – e seus planos de modernização tecnológica mortalmente atingidos, pela aniquilação  das empresas com que tinha parcerias – além dos submarinos, a produção de mísseis de combate foi entregue a estrangeiros.

Segundo, com a defesa (militar e econômica) de nossas riquezas, arruinada com a entrega do pré-sal, da liberação de compra de terras a estrangeiros, a abertura da Amazônia à mineração estrangeira e muito mais.

Infelizmente, os militares não são imunes à sua “porção Brucutu”, incensada pela extrema-direita, que quer vê-los prender “esquerdistas”, sindicalistas, políticos…não, juízes e banqueiros, não…

Brizola, mesmo depois de todas as perseguições que sofreu, nunca embarcou nessa história de ser contra militares por serem militares. E dizia que muitos deles tinham percebido que, ao tomarem o poder, “amarraram a vaquinha Brasil para os outros mamarem”.

Espera-se que sejam muitos os que considerem que a “aproximação sucessiva”  que pode nos tirar  – a nós, civis, e a ele – deste desastre sejam eleições livres em 2018, sem discriminação de qualquer força política e sem a exclusão de brasileiro algum, o que a torna ilegítima.

Nada diferente do que disse o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, apenas dois meses atrás: “Saída da crise deve vir da eleição de 2018“. Acredita-se que, em tão pouco tempo, não tenha mudado de opinião.

Nem general nem juiz tem poder de veto sobre a escolha dos brasileiros.

PS: Clique para ler a Nota de Esclarecimento do Exercício Brasileiro, na qual o Comandante Villas Bôas reafirma o “compromisso constitucional” da arma, e diz quem manda no terreiro.

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Em tempo: Quarta foi dia de despedidas, correria e viagem. Deixei Beagá no fim de noite, esfalfada, sem conseguir chegar ao computador e ao blogue. Dormi as duas horas e meia de voo até o Recife.  Mas cá estou para me redimir.  Sei que compreende.

Caminhemos, pois.

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Atualizado em 25.09.2017, às 19:22 hs: inclusão do acesso à nota do Comandante do Exército.

 

 

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