
por Sulamita Esteliam
O 6 de março é feriado em Pernambuco, por força de lei comemorativa do bicentenário da Revolução de 1817. Portanto, é o primeiro a celebrar a Data Magna, instituída por lei há mais tempo, mas já em anos adiantados deste século.
Passou, sem que Euzinha pudesse explicar aqui o motivo do gozo, agora de caráter popular.
Ainda que o assunto já tenha sido tratado pelo A Tal Mineira, em tempos idos, vale recobrar, pois trata-se de episódio pouco conhecido da História do País.
A data celebra quando essas bandas experimentaram república por exatos 74 dias, com direito a embaixador em Washington e em Paris, e bandeira própria – a mesma que vigora desde então.
Uma revolução tramada por comerciantes e militares maçons, em associação com o baixo clero, precipitada por estado de ânimo mercurial de um certo Leão Coroado, capitão da guarda, no dia 6 de março.
Os jornais locais, em sua maioria, e dentro do espírito pernambucano de ser o primeiro, o melhor e o maior em tudo, insistem em colocar a Revolução de 1817 como sendo a primeira revolução digna do nome no Brasil.
No século XIX, é bem verdade. Fato também que tornou Pernambuco o primeiro estado independente da Coroa, ainda que por breve tempo.
Louvável a bravura pernambucana e o espírito de pertencimento dessa gente. Entretanto, não se pode adaptar a História.
Desde a primeira metade do século XVIII, portanto antes da Coroa se instalar no Brasil, sedições, revoltas e rebeliões, permearam o cotidiano da colonia, sobretudo na Capitania das Minas Gerais.
A principal delas , a Conjuração ou Inconfidência Mineira, deu-se em 1789. A exemplo dela, 10 anos depois, a Conjuração Baiana, também não teve tempo de eclodir militarmente.
Todas foram sufocadas com rigor e violência pelos prepostos do rei, mesmo que ao custo de plantar heróis locais e, até, nacionais segundo as repercussões e conveniências políticas.
Vide Felipe dos Santos, na Vila Rica de 1720, justiçado pelo Conde de Assumar para “dar exemplo” ao povo.
E, especialmente, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Enforcado, decapitado, esquartejado, salgado e expostas suas partes em praça pública colônia afora, em 1792 – para nenhum aventureiro se arrogar em revolucionário.
“A Conjuração teria início com um motim – que ocorreria no mês de fevereiro, em Vila Rica, quando fosse imposta a “derrama”. Se vitoriosos, os conjurados deflagariam a rebelião em toda a capitania. Seu planejamento incluía o anúncio da declaração da independência de Minas e a definição dos instrumentos necessários para sua implementação sob a forma da República.
(…) Não é difícil divisar nos planos da Conjuração Mineira os traços da inovação constitucional de uma República Confederada – uma espécie de comunidade de estados independentes, cada um mantendo sua autonomia legislativa.
(…) A expectativa dos conjurados não era ganhar a guerra militarmente e expulsar as tropas lusas. Era exaurir a metrópole, inclusive economicamente, fazendo a Coroa negociar.
Mas os mineiros ficaram sozinhos. Nenhuma outra capitania se aliou à Conjuração.
(…)A Conjuração Mineira fracassou. Mas as revoltas nunca mais seriam as mesmas na América Portuguesa.”
(Lilia M.Schwarcz e Heloísa M.Starling, Brasil, uma Biografia – pgs. 144/147)
Joaquim Silvério dos Reis, como se vê, foi apenas um dos X-9 , o que passou para a História.
Traição de um lado, precipitação de outro.
A ferro, a fogo, sangue, mortos aos milhares, e alguma trapalhada, a Revolução de 1817 conseguiu implantar a República, ainda que de caráter regional e efêmero.
No próprio Recife, 100 anos antes, a Guerra dos Mascates, de 1710, teve caráter pioneiro. Durou menos de um ano, e teve como resultado provincial a mudança de sede da Capitania de Pernambuco, antes em Olinda.
Reside aí o embrião do anseio de tornar Pernambuco independente. Foi a primeira vez que uma revolta questionou o poder da Coroa e reivindicou autogoverno, “contaminando”, por assim dizer, o ambiente inflamável da Colônia.
A ojeriza do brasileiro em pagar impostos vem dessa época, e alimentava o espírito das revoltas, a maioria burguesas, já abundantes, até então sem questionar o governo monárquico.