Desde terça-feira quero contar uma boa nova: finalmente, minha irmã caçula recebeu sua primeira dose de Astrazeneca, em domicílio, na tarde do dia 27. Todos nós, os próximos e os distantes – como eu, que vivo no Recife – celebramos. A segunda dose está prevista para 20 de julho.
Espera-se que o complemento se dê de maneira menos tortuosa do que na primeira dose. A filha única da Zeíca, que é como a tratamentos carinhosamente, enfrentou verdadeira maratona para garantir a vacinação da mãe. Primeiro, pela internet e, depois, por telefone. Ou, nas palavras dela, “tive que correr atrás, tia!“.
E só conseguiu porque, apenar de seus tenros 22 anos, Marina insistiu e persistiu até obter uma resposta plausível, com data e hora para acontecer.
Minha irmã se chama Zélia Goreth, completou 63 anos no último 21 de abril. Vive sobre uma cama do tipo hospitalar, há cinco anos. Consequência de atropelamento que lhe ocasionou ene traumautismos cranianos.
Passou por cirurgia, 45 dias na UTI, primeiro no João XXIII, depois no Materdei, mais três ou quatro meses de internação. Sofreu infecção hospitalar, traduzida em pneumonia bacteriana necrosante, mas sobreviveu.
Poucos acreditavam em sua recuperação, mas ela veio, embora com limitações: recuperou a consciência, reconhece as pessoas queridas, mas não fala. Comunica-se por mímica, caras e bocas rotineiras, e/ou protestos mudos eventuais – olhos fechados e recusas gestuais características.
Caminha com ajuda de fisioterapeuta, com ou sem andador. Está sob cuidados de profissionais de sáude 24h por dia, essenciais para o atendimento de suas necessidades básicas.
Já escrevi essa história mais de uma vez aqui no blogue.
A família mora no Bairro das Indústrias, o setor original do bairro, na região operária, onde crescemos, e cuja história Euzinha conto no meu livro Estação Ferrugem, Vozes, 1998. O BDI, assim nomeado por minha geração, é um dos 54 bairros e 18 vilas que integram a Regional Barreiro.
A região fica no extremo Oeste da capital mineira, ao pé da Serra do Rola Moça, e abriga 70 mil moradias e cerca de 300 mil pessoas. É mais antiga do que a própria capital, tem 165 anos.
Conheça mais sobre a região aqui e aqui, neste blogue.
De volta à saga para a vacinação da minha irmã. A desculpa que minha sobrinha recebeu, quando se deu o atendimento, foi de que “a mesma equipe que atende a vacinação no posto, faz o atendimento domiciliar, daí a demora”.
Se procede, é uma deficiência inexplicável, diante da emergência sanitária. Contudo essa é apenas uma das questões, falta de estrutura.
A outra é saber se isso ocorre em todas as regionais, só na Regional Barreiro ou parte dela, ou apenas nas áreas periféricas da cidade. E, por fim, qual é a orientação da Secretaria de Saúde e seu Conselho Municipal?
Perguntas feitas à Assessoria de Comunicação do Conselho de Saúde, por email e por telefone, e que estão respondidas ao pé da postagem.
O cadastro da minha irmã foi realizado no dia 12.04.2021, conforme instruções do portal da Prefeitura de Belo Horizonte. A primeira dose para 63-64 anos estava prevista para 14 a 16 de abril. Dia 21 já passou para a faixa 62-61 anos, em ambos as faixas, idade completada até 30 de abril.
Minha sobrinha esperou o telefonema que confirmaria o agendamento da data e hora, conforme especificado no ato do cadastramento no site da campanha de vacinação. O telefone não tocou.
Na quinta, 22 (não no sábado, 24, como originalmente informado) Marina ligou para a Secretaria de Saúde da Regional Barreiro, à qual responde a unidade de saúde do Bairro das Indústrias. Pediram os dados para averiguar. A moça que a atendeu foi “bem atenciosa”, mas não houve retorno.
Na segunda, 26, pela manhã, minha sobrinha tornou a ligar, desta vez para o posto do bairro. Foi redirecionada para outro número.
“A moça que me atendeu parecia estar num dia ruim, e me disse que quem estava vacinando nas residências não era o centro de saúde e, sim, o distrito.” Mesmo assim, pediu os dados da pessoa a ser vacinada.
“Passei os dados da minha mãe, e aí ela me disse que olharia com outro responsável no posto, para ver o que dava para fazer caso tivesse vacina sobrando.”
Marina ligou em seguida para a Secretaria de Saúde Regional Barreiro “para tentar entender, porque não fazia sentido. Como assim, sobra, se fiz o cadastro!? Me direcionaram para alguma chefia, que me informou que, nessa fase, quem fazia a vacina residencial era, sim, os postos.”
Pediu todos os dados, novamente, e disse que entraria em contato com o posto de saúde do bairro. Isso foi por volta das 10h.
“Na tarde do mesmo dia, por volta das 15h, me ligaram perguntando se podia vir vacinar a minha mãe, e eu disse que sim. Falaram que já estavam vindo, mas pouco tempo depois tornaram a ligar dizendo que não teria como vir porque o carro da prefeitura não apareceu. Ficaram de ligar no dia seguinte para remarcar; cobrei um horário e falaram que só no dia seguinte seria possível definir, e que me ligariam”.
Até as 10h do dia 27 não houve contato, e minha sobrinha ligou novamente para o posto. Foi atendida pela mesma pessoa no dia anterior, que repetiu a fala de a responsabilidade pela vacina ser do distrito, não do centro de saúde.
Marina insistiu em falar com outra pessoa com quem pudesse resolver o problema. Só aí lhe foi informado o telefone para falar com a gerência, “num tom não exatamente amigável”, conta.
“Conversei com a gerente e expliquei a situação, disse da minha preocupação, pois estavam me informando coisas diferentes, e cobrei o agendamento, que pressupõe data e hora.”
De novo, minha sobrinha teve que repassar os dados da mãe, o endereço da residência da família e o seu telefone de contato. Ouviu da gerente a recomendação de que não se preocupasse, “porque os pacientes cadastrados no posto, com impossibilidade de locomoção e faixa etária compatível já estavam sendo colocados num grupo para vacinar (ou algo assim)”.
E então, a primeira dose da vacina, finalmente, aconteceu na vida da mãe da Marina, minha irmã Zeíca: dia 27.04.2021, às 16h – com direito ao acompanhamento da gerente do posto, que, por algum motivo, foi conferir de perto o procedimento.
Convenci minha sobrinha de que é importante dar publicidade ao acontecido, porque acredito ser pedagógico. Outras pessoas podem estar passando pela mesma situação, e é vital que sejam estimuladas a cobrar seus direitos. Vacina é um direito de cidadania.

Com a palavra, a PBH
Este relato foi encaminhado à Comunicação do Conselho Municipal de Saúde, na noite do dia 28.04.2021, com pedido de posição oficial a respeito, dados diversos para retorno e informando que seria publicado no blogue atalmineira.com/ nesta quinta-feira, 29.
Sem resposta até o meio da tarde, liguei para a Secretaria de Saúde da Regional Barreiro, que me passou o telefone da Assessoria de Comunicação da sede, que centraliza as informações para “a imprensa”. Correto.
Liguei. Fiz primeiro as perguntas genéricas, sobre o esquema de atendimento para a vacinação domiciliar. A colega que me atendeu, Raiane, confirmou todos os requisitos, procedimentos seguidos à risca por minha sobrinha, aqui relatados: cadastro no site, aguardar agendamento por telefone pelo centro de saúde mais próximo da residência do paciente.
Confirmou que é da unidade de saúde local a atribuição de vacinar os acamados, respeitada a faixa etária. Se houver atraso, a recomendação é cobrar, se for o caso até presencialmente.
Pode acontecer de a mesma equipe que atende no posto se deslocar para fazer a vacinação domiciliar, normalmente ao fim do horário de atendimento, “quando há sobra de imunizante, para evitar desperdício”.
Isso ocorre em todas as regionais, não apenas na periferia, segundo a assessora.
Em princípio, há equipes específica para os deslocamentos. E o atendimento domiciliar não está condicionado à sobras, e deve acontecer dentro do prazo destinado a cada faixa etária.
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Postagem revista e atualizada às 19;57: correção de informação sobre data de ligação para a Secretaria de Saúde Regional Barreiro, indicada no respectivo parágrafo.