Os rios invisíveis de Beagá transbordam sobre a cidade

Ruas Marília de Dirceu, Curitiba e São Paulo até a Pe Belchior hoje e ontem, quando o Córrego do Leitão corria solto – Foto capturada no FB
por Sulamita Esteliam

Quem acompanha o noticiário e as redes sociais deve ter a medida do desespero experimentado pela gente da minha Macondo de origem, noite passada, quando choveu mais do que os dois dias tenebrosos da semana passada, relatados aqui neste blogue.

Pululam vídeos da enchente que transformou em rios caudalosos as ruas da cidade, arrastou e capotou carros, inundou garagens de edifícios, comércios, hospitais, shopping center, academias, ilhou o Mercado Central, um dos cartões postais da cidade. O A Tal Mineira reproduz alguns, ao pé desta postagem.

O temporal atingiu, sobretudo, as regiões Centro-Sul, Barreiro e Oeste. 

ACUMULADO DE CHUVAS (mm), por regional de 19h50 até às 22h20 de terça-feira 28/01:

    • Barreiro: 136,6 (42%)
    • Centro Sul: 183,4 (56%)
    • Leste: 44,8 (14%)
    • Nordeste: 18,2 (6%)
    • Noroeste: 41,2 (13%)
    • Norte: 4,2 (1%)
    • Oeste: 103,6 (31%)
    • Pampulha: 10,6 (3%)
    • Venda Nova: 0,4 (0%)

Fonte: Defesa Civil de Belo Horizonte
Média Climatológica JANEIRO: 329,1 mm

A Olinto Meirelles, principal avenida do Barreiro, no extremo-Oeste de Belo Horizonte, se tornou rio caudaloso. Mas a Praça Marília de Dirceu, no Bairro de Lourdes, um dos bairros mais nobres da capital mineira, na área Centro-Sul, amanheceu um amontoado de lama, placas de asfalto, sucatas de automóveis e pilhas de árvores caídas.

Eis o ponto que chama a atenção e causa espécie: moradores de áreas privilegiadas sentindo na pele o que é o cotidiano do Zé e da Maria Povinho nas periferias urbanas: destruição e medo.

Sorte que não se conta mortos, como tem ocorrido nas áreas periféricas, metropolitana e interior do estado. Já são 55 vítimas fatais e 53 mil 188 pessoas que tiveram que deixar suas casas ou que as perderam definitivamente.

Os prejuízos materiais, na área Centro-Sul, bem ou mal, podem ser cobertos por seguros.

A chuva não é o problema. Os estragos são consequências das escolhas históricas de uma cidade que cobriu seus rios para dar lugar ao asfalto. Que escolheu, desde a fundação, domar a natureza para se erguer. 

A evolução da moderna engenharia hoje questiona o que os ambientalistas e até observadores argutos, embora leigos, já assinalam há bom tempo. Euzinha, mesma, já me referi ao que agora chamam de “rios invisíveis”, em texto anterior aqui neste blogue, há coisa de nove anos.

Lembro-me de um texto que li na revista Manoelzão, do curso de Comunicação da Fafich/UFMG, por essa época. Uma historiadora recifense, carregada das lembranças do Capibaribe que serpenteia seu torrão natal, se espantou quando chegou para estudar na capital mineira: “Cadê os rios desta cidade!?”

A Avenida Prudente Morais, um das principais da Zona Sul de Beagá, virou mangue quando a água da enchente da noite passada baixou.

Foi construída em cima do Córrego do Leitão, que atravessava o área sul-centro, passando onde hoje é a Rua Padre Belchior, junto ao Mercado Central, para desaguar no Arrudas próximo à Rodoviária, hoje também canalizado na maior parte do seu curso.

Os rios cobram passagem pelos anos de represamento – em Belo Horizonte, no Espírito Santo, em São Paulo, Brasil e mundo afora.

E não têm que pedir desculpas. A natureza é soberana, e toma o que é seu por direito, se recicla sem levar em conta o homem. Quer sobreviver, cuide bem dela.

Tudo tem limites, embora seja próprio do ser humano recusar-se a aceitá-lo.

Cinco anos de pesquisa endossam perplexidade e a tradução dela no livro Rios Invisíveis da Metrópole Mineira, do geógrafo Alessandro Borsagli, pesquisador sobre o espaço urbano da cidade, da criação aos nossos tempos. Ele é o entrevistado desta reportagem:

No Twitter, José Silva, o Tavos do Mimídias (@tavosmm), também desenha, bem desenhadinho, o que o geógrafo explicita no vídeo. Printei no Instagram do Mídia Ninja:

Agora, alguns vídeos do tsunami que se abateu sobre Beagá e suas consequências:

 

 

 

 

 

 

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