por Sulamita Esteliam
Meu amigo olindense, que na verdade nasceu em Paulista, tem um bordão imbatível nas ondas do rádio: “Meu nome é Eutrópio Édipo, mas não é culpa minha.” Adoro!
Advogado, fundador do Gajop – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares, professor de inglês, filósofo e bon vivant, é um lorde por excelência.
Junto com Ruy Sarinho, em meados dos anos 80 do século passado, criou o Violência Zero. Programa de rádio transmitido ao vivo de mercados, feiras e praças públicos sobre direitos humanos; em 2010, Euzinha tive, e hoje volto a ter, a honra de apresentar.
Agora sob o viés da Literatura, e como quadro que abre o Programa Banco de Feira, sobre cultura popular, criação do Sarinho. Hoje com o incentivo muito bem-vindo do Funcultura/Fundarpe/Secretaria de Cultura/Governo do Estado de Pernambuco.
O texto que publico com sua autorização é parte do Livro de Olinda, de Manoel Neto. Vai assim fora de pauta, para fechar as celebrações dos 487 anos da cidade-mulher, irmã quase gêmea do Recife 485 anos.
Olinda – uma quase explicação
por Eutrópio Édipo
Mas o que é esta cidade? Serão seus edifícios, suas casas, seus sobrados? De que é feita esta cidade? Será de colinas e montes, será de praias e céu claro, será de praças e jardins? O que tem esta cidade? São as igrejas centenárias, são as ruas estreitas e sinuosas, são os gigantes bonecos do carnaval, ou alguma coisa além?
Não sei. Mas deve haver algo mais marcante e misterioso, mais tocante e silencioso que paira no ar e lhe dá o encanto único. A nós, nos traz a certeza de a ela pertencermos, a sensação de aconchego do colo materno. Porque existe a diferença entre o simples habitar qualquer lugar ou aqui viver como olindenses.
O poeta já havia registrado os versos famosos:
“Olinda é só para os olhos,
não se apalpa, é só desejo.
Ninguém diz: é a que eu moro.
Diz somente: é lá que eu vejo.”
Não fosse a rima, bem que Carlos Pena gostaria de ter afirmado: “Diz somente: é lá que eu sinto.” Porque, sabia o poeta, Olinda é mais sensações que visões. É mais coração que olhos. É mais sentimento que paisagem. Ela é o intagível que sobrepuja a razão. Se não, como explicar o amor tão intenso que, por ela, sentimos?
Talvez tenhamos o mesmo carinho de filhos cuidando da mãe velhinha, temendo perdê-la a qualquer momento. Então, exaltamos suas belezas e embaçamos os olhos a suas mazelas, em exercício cotidiano de idealização que, mercê do repetir-se constante, concretiza-se em verdade absoluta, estendendo-se por gerações.
Pode não ser isto, também. Talvez seja um ecoar de distantes canaviais teimando em permanecer em nossas cabeças e tocar em nossos corações. Lá vem o Homem da Meia Noite; Cariri já saiu; olha lá Pitombeira e Elefante; Vassourinhas desceu a ladeira. Resistir, quem há de?
Quem sabe não serão as estórias de Patu, o Arthur das indignações, a resistência de Alceu? Talvez sejam as tintas dos nossos maravilhosos artistas incansáveis no seu retratar. Lembrei de Bajado na janela. Será isso ou não será?
Pode ser até a sua sempre complicada política, os grandes embates eleitorais, as conquistas populares, as suas favelas de povo decente e trabalhador, que jamais escutou o canto gregoriano dos monjes. Pode ser?
Não sei. Um “cogue” um dia me perguntou porque falávamos tanto sobre Olinda, gostávamos tanto de Olinda. Calei. Olhei pra ele e arrisquei: “Você não vai entender.” Aí, ele entendeu. Porque do que se ama não se cobram explicações. Até porque explicações não há. Olinda é.