Tiro no pé: ALMG se enrosca com a censura à arte de Carlos Barroso, aprovada em edital

por Sulamita Esteliam

Censura e desrespeito são inaceitávei, venham de onde vier, e seja qual a motivação. Quando a inspiração é religiosa e o objeto da censura é, não uma obra de arte, mas, uma exposição inteira, aí a coisa fica absolutamente indeglutível.

O amigo Carlos Barroso, poeta, artista plástico e performático teve sua rotina capotada esta semana pela ampla repercussão da censura sobre sua mostra de arte Deslocamento, na Galeria Gustavo Capanema, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.  Deixo os links ao pé da postagem.

“Meu trabalho está sendo atacado por grupos religiosos fundamentalistas, ignorantes, que não entendem nada de arte. Eu não estou ali me colocando contra nenhuma fé, contra nada de religião. Apenas estou fazendo um trabalho, que é o trabalho milenar da arte: de dessacralizar, de desmistificar; uma obra aberta a interpretações.”

Palavras do autor, em rápida conversa que mantivemos via zap-zap, no início da noite da postagem.

Eis a questão: interpretaram como “vilipêndio, ataque à fé cristã”. Quando, na verdade, na visão do autor, pleno de razão, é um disparate, fruto dos tempos sombrios que nos obrigam a sobre-viver.

“São obras para pensar, refletir. Eu sou um cara de formação cristã e respeito todas as crenças e fés. Não é arte para provocar nem para desvalorizar as religiões, é para discutir, inclusive, o uso político e comercial das religiões.”

Ao que tudo indica, provoca o autor e havemos de concordar com ele, a fé dos deputados, e dos cristãos emperdenidos em defesa da religião, qualquer que seja, “não resiste a uma exposição”.

Há um Manifesto pela Liberdade de Expressãoclique para assinar.

Protesto autor no insta

A exposição foi aprovada por edital público há três anos, e só viabilizada agora por conta da pandemia de Coronavírus, Quer dizer: passou por avaliação prévia de pessoas supostamente habilitadas para fazê-lo, com todas suas implicações.

Fato é que, sem qualquer justificativa lógica, a direção da ALMG interditou o conjunto da obra de arte, na segunda-feira, 19. Depois de 14 dias de aberta à visitação pública, e exatamente quatro dias antes do prazo de encerramento, que se daria na sexta-fera, 23.

Na segunda-feira, 26 começa nova exposição, e o impasse está colocado, pois o autor afirma que não tem condições de deslocar a obra para  outro espaço. O destino mais proválvel é a Casa do Jornalista, onde, inclusive, ele está presidente em exercício; naturalmente que com a concordância dos colegas.

O motivo alegado, verbalmente, a Barroso é “risco de invasão”, ou segurança. É de supor-se que se devesse ao protesto convocado pelo Mova – Movimento e Valores pelo Brasil – dá até arrepios – , grupo católico de inspiração direitista, para a terça, 20; conseguiram reunir 30 gatos pingados.

Mais estapafúrdio, impossível. Trata-se, afinal, de órgão público, com vasta força de segurança disponível, e a Polícia Militar a um estalar de dedos. Nem manifestações de policiais em greve, armados, jamais balançaram as estruturas da casa.

Pátria Amada Brasil

O problema é que há consequências imagináveis: o movimento na internet atiçou a ira e as mentiras e manipulações de ódio estão à  toda, conta Barroso:

“Postagens absurdas, me acusando de usar bebês, transsexualizar bebês, e lá (na exposição) não tem nada disso. É o extremismo contra a arte, contra a cultura, contra quaisquer processos de conteúdo educativo.”

Na verdade, o deputado Carlos Henrique (Republicanos) pegou o mote do Mova e se apropriou da causa, divulgando vídeo gravado no domingo, quando não há expediente legislativo. No vídeo aproveita para dizer que vai usar seu cargo na Mesa Diretora para remover a exposição.

A Mesa Diretora é presidida pelo deputado Agostinho Patrus (PSD), candidato a um posto no Tribunal de Contas, o que depende da aprovação dos seus pares em plenário. Quedou-se, pois, em silêncio ensurdecedor.

O Sindicato dos Jornalistas divulgou nota em que exige um posicionamento oficial, por escrito, da Mesa Diretora da Assembleia, sobre os motivos da ofensa à liberdade de expressão, à arte e à cultura, o que é francamente inconstitucional.

Reunião entre as duas casas e o autor censurado está prevista para a amanhã da próxima sexta-feira. A ver no que dá.

Ei, Minas, ei Minas…!

Deslocamento reúne instalações, ready-mades, objetos, quadros, esculturas, videopoemas, backlights, LEDs, e poemas visuais produzidos a partir de artefatos e ideias que buscam o inusitado, o verso e o controverso.

Barroso se vale de materiais do cotidiano nas obras: vidros, metais, placas, lata de lixo, molas, gesso, blocos de construção, rolinhos vazios de papel higiênico, etc. Tudo na buscas do potencial poético e artístico, por meio do experimentalismo e da provocação.

O trabalho tem origem na poesia independente (ou “marginal”), incorporado a lições apreendidas de vanguardas; dentre elas o dadaísmo, o concretismo, a poesia visual, as artes plásticas.

Enfim, na definição do autor, “uma busca multimídia que menospreza padrões e formalidades, sem abandonar, contudo, a estética”.

Todos os veículos que publicaram reportagem sobre o ato censor tentaram ouvir a Casa Legislativa, sem sucesso. Apenas um, o site BHAZ, faz referência a elaboração de “nota a ser divulgada em breve”, segundo a Assessoria de Comunicação da Assembleia.

O A Tal Mineira tentou contato, via privado do perfil da ALMG no Instagram, e aguarda o retorno, quanto então, e se, incluirá na postagem.

Fotos da postagem: Divulgação.

Repercusão do ato de censura artístico-política a Deslocamento

Gazeta de São Paulo

Folha de São Paulo

Brasil de Fato

G1/Globo Minas

BHAZ

O Tempo

Hoje em Dia

ACIDigital (leia-se ex-Agência Católica de Informações)

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