Jacira, o avião, Lula e o pinto do marido falecido

por Sulamita Esteliam

No Executivo Aeroporto, a caminho do Centro de Curitiba, conheci Jacira, uma catarinense de 77 anos, que mora há 30 anos em São Paulo, mas carrega o sotaque como identidade indissociável. E o tom de voz dela me soa bastante familiar. Fala alto, como é comum na minha família.

Ainda estava embevecida pela viagem de avião.

– É bom demais viajar de avião, não é!? Eu adoro ficar naquela janelinha olhando as nuvens, pensando como seria “bão” brincar de pula-pula em cima delas… hahaha! – rimos juntas.

– Antigamente, a gente não podia andar de avião. Era muito caro, só pros ricos. Agora não, dá pros pobres gosar também… – gargalha de novo.

Respondo que já foi mais barato, e que os pobres andam sumidos dos aeroportos, até mesmo para ver avião decolar e pousar, como era comum antigamente.

– Esse desgoverno mudou as regras e só favoreceu as companhias aéreas. Pagamos bagagem como os europeus, mas as passagens só ficaram mais caras e o serviço piorou.

Jacira observa meu sotaque, pergunta se sou carioca, e logo quer saber o que vim fazer em Curitiba. Digo que sou mineira e moro há mais de 20 anos no Recife, e que estou a trabalho, para resumir.

E ela logo conta que tem uma mocinha no ônibus, que veio do Recife para algo parecido com trabalho; um congresso, ou coisa assim, que vai reunir jovens estudantes do Brasil inteiro durante todo o fim de semana.

– Ah, sim, deve ser o Encontro da Juventude Petista, que vai rolar, a partir de sexta, creio.

– Fulana – fala o nome da moça, mas não registrei – diz que é perto de mil jovens nesse congresso. É muita gente. Então é coisa do PT, essa gurizada … E a TV diz que o PT acabou… Será que vieram para Curitiba por causa do Lula?

– Certamente que sim.

– É… muito triste, né, o Lula estar preso. Ele foi muito “bão” pra nós. Não fosse o Lula, com a aposentadoria dos velhos, eu não teria meu dinheirinho. Ele pode até ter roubado alguma coisa, mas todos eles roubam, e ninguém faz nada para os pobres.

Digo a ela que Lula não roubou, que foi condenado sem crime e sem provas para impedi-lo de ser candidato de novo. Derrubaram a Dilma, que continuou com as políticas do Lula, e armaram para ele não voltar a ser presidente da República.

– É… Eu votava nele se ele fosse candidato de novo.

Lula é candidato, e lidera as pesquisas, mesmo preso. E precisamos cruzar os dedos para poder votar nele novamente.

Jacira faz que sim com a cabeça, e fica um instante pensativa, mirando a paisagem da janela. De repente, muda de assunto.

Conta que trabalhou a vida inteira para o marido, que tinha várias lavanderias, mas nunca assinou a carteira dela. Trabalhava com ele no interior de Santa Catarina, e continuou trabalhando quando largou dele e foi-se embora para São Paulo, onde ele também tinha “umas filial”. Por isso teve que esperar uma lei, no governo Lula, que garantisse sua aposentadoria por velhice.

– E por que você se separou do marido, mulher?

– O marido começou a beber demais da conta, ficava falando merda no meu ouvido e eu falei: não tenho que aguentar isso. E fui-me embora, morar com minha filha em São Paulo.

– Fez muito bem.

– Ele arrumou uma amante, morou com ela 30 anos. Mas quando adoeceu, ficou ruim, foi levado para junto de nóis, e eu tive que cuidar dele. Fiquei com pena do pobre.

Cuidei dele, dia e noite, durante “treis meis” no hospital. Nem fazer xixi ele dava conta; tinha eu que pegar o pinto dele e colocar no papagaio (urinol masculino). Fiquei em dúvida no começo, pego, não pego… Tive que pegar aquela coisa mole, enrugada… (faz o gesto característico de nojo, unindo as pontas dos dedos indicador ao polegar), acompanhado de um esgar no canto da boca.

– Pronto, você garantiu um tijolinho para sentar lá encima, quando chegar sua vez…

– Tomara mesmo. Agora estou indo lá, na minha antiga cidade, levar uma procuração e um contrato para a amante dele assinar. É que vamos garantir a pensão dele para ela, mas vou ganhar uma parte, por ter conseguido o advogado para ajeitar as coisas lá com o governo…

–  O direito de pensão, a rigor, é dela. A partir de dois anos de vida em comum não é mais amante, é companheira, ainda mais se tiver filho envolvido.

– Verdade, mas ele não fez filho nela. E se não fosse por mim e minha filha, ela não ia ver a cor do dinheiro. É muito ignorante a coitada, e é pobre, o dinheirinho vai ajudar ela a sobreviver, a não passar fome.

– Aí, você ganha algum a título de comissão. Muito esperta, você, Jacira.

– É a minha paga por ter aguentado ele antes e depois.

Conversa vai, conversa vem, chegamos à rodoviária, ponto final para Jacira, onde ela pegaria um ônibus para a cidade-destino, que divisa com o Paraná. Ergo-me para que ela possa passar seus 90 quilos por 1,75m, presumo, com menos dificuldade.

Antes, recomendo que ela compre uma manteiga de cacau, ou protetor labial, ou mesmo um batom cremoso, para proteger seus lábios feridos. Ela havia me contado que teve câncer de pele, e se curou.

Dissera-me, também, que feriu a boca numa desastrada tentativa de comer pinhão, que ela ama, iguaria da culinária catarinense. Não conseguiu adaptar-se à dentadura folgada, que lhe machuca muito, e que só usa para comer o que precisa ser mastigado.

– Isso… – diz em sinal de aprovação, quando me levanto.

– Já fui magra como você. Mas os remédios me deixaram assim, essa jamanta – emenda Jacira, esforçando-se para não esbarrar no encosto da poltrona da frente e, ao mesmo tempo, não bater a cabeça no bagageiro.

– E obrigada por me escutar.

– Foi um prazer conhecê-la, Jacira. Boa viagem e boa sorte.

– Gostei de você, mineira. Se ver o Lula, dá um abraço nele que eu mando.

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A Tal Mineira passou o chapéu para estar no 6º BlogProg, dias 25 e 26 de maio, em São Paulo. Um esforço coletivo para viabilizar a viagem desde o Recife, traslados e estada, que inclui dois dias em Curitiba, aonde esta escriba chegou no início da tarde da quarta-feira, 30 de maio, retornando a Sampa na sexta, 1º de junho e depois para o Recife na segunda à noite.

A estadia foi programada em função das ofertas disponíveis para as passagens aéreas com milhagem e benefícios.

Sou extremamente grata a cada uma e cada um d@s amig@s que até agora contribuíram para esta jornada. A começar pela minha caçula, Bárbara Esteliam, e o pai dela, que me transferiram milhas e/ou benefícios para garantir os votos.

Muito obrigada, Reiko Miúra pela acolhida em São Paulo, desde o primeiro dia. E obrigada à sobrinha Natália Areta e seu marido Rafael Coelho, por me receberem em sua casa a partir deste sábado e até segunda-feira.

Obrigada, também, Juliana Soares, filha do coração, a primeira a batizar a conta. E obrigada amigas, Mereh, Maria de Lourdes Fonseca e Lúcia Helena; e amigos, Ricardo Campos e Marcos Barreto.

Mas digo que continua valendo, pois ainda não atingimos a meta baseada na estimativa das despesas com traslados, alimentação e hospedagem, em Curitiba. Quem puder e quiser contribuir, pode usar a seguinte conta para depósito:

Ideias e Letras Comunicação

Esteliam & Estelian Comunicação integrada Ltda (razão social)

cnpj: 13.602.046/0001-22

Caixa Econômica Federal

Agência 0867 Operação 022 Conta 238-6

Seguimos na batalha.

Abração.

Sulamita

 

 

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