“E quando vi essa foto da Dona Maria, militante histórica, que conhecia a Mari, se emocionando ao encostar na escultura, meus olhos se encheram de lágrimas e realizei o quão potente é isso que estamos fazendo. Erguer um monumento pra mostrar que seguiremos de pé.” (Anielle Franco Diretora Executiva do Instituto Marielle Franco)
por Sulamita Esteliam
Fiquei bem tocada com a mensagem recebida de Anielle Franco, do Instituto Marielle Franco, relatando como foram as celebrações pelo aniversário da irmã da vereadora do Rio de Janeiro pelo Psol.
Memória viva: Marielle Franco foi executada por milicianos, junto com seu motorista Anderson Gomes, no centro do Rio, em 2018. Seu assassino está preso, mas até hoje, 3 anos, quatro meses e 19 dias passados, não se revelou o nome do mandante, que está solto.
Sei bem que a mensagem é uma peça de mailmarketing dirigido para formadores de opinião, no caso, no campo da esquerda e ou de defensores dos direitos humanos. É um propósito político que, porém, carrega um viés afetivo de troca.
Filosofia Umbutu: “Eu sou, porque nós somos”.
Destarte, sem pejo, transcrevo a mensagem, tal e qual chegou à minha caixa de correio eletrônico. Aspas, portanto:
“Oi, Sulamita Esteliam! Te escrevendo esse email entre uma reunião e outra aqui em Washington porque não queria deixar de compartilhar com você o que estou sentindo.
O que aconteceu na última quarta-feira ainda está mexendo muito comigo mas vou tentar colocar em palavras e algumas imagens.
Como já disse várias vezes e você sabe, onde eu realmente queria estar no dia do aniversário da minha irmã era chegando atrasada no almoço pra ouvir ela me dar uma bronca e depois me abraçar e soltar aquela risada inconfundível.
Nesses quatro anos que nós aqui da família caminhamos sem parar, muitas vezes a falta da Mari nos traz uma sensação de solidão muito grande.
Mas esta quarta-feira foi um pouco diferente.
Francia Márquez, Bené, Anielle e candidatas negras no RJ -Fotos: Maydonaria/Instituto Marielle Franco (legenda do A Tal Mineira)
Começamos o dia ao lado das nossas mais velhas, recebendo Francia Marquez, vice-presidenta eleita da Colômbia para um encontro com mulheres negras que estão transformando a política brasileira.
Na mesma hora, minha mãe, meu pai e Luyara participavam da missa em homenagem à Mari, celebrada pelo Padre Gegê que sempre dá conforto para os nossos corações e resgata a ancestralidade presente na nossa fé.
Depois desse momento de energização fomos para o Buraco do Lume, onde minha irmã ia toda semana prestar contas do seu mandato e dialogar com a população, e lá fomos recebidas por milhares de pessoas que aguardavam a inauguração da primeira estátua pública em homenagem à Mari.
A iniciativa da estátua veio do escultor e amigo Edgard Duvivier, e foram 4 anos estudando e trabalhando nesse projeto dialogando com a Secretaria da Mulher, recebendo o apoio de mais de 640 pessoas que doaram e finalmente, havia chegado o dia da inauguração.
Num primeiro momento foi difícil pensar nessa ideia de uma estátua para minha irmã, mas depois entendemos que ela é uma forma de reparação, que eterniza a memória da Mari, para que as próximas gerações possam conhecer essa história.
E quando vi essa foto da Dona Maria, militante histórica, que conhecia a Mari, se emocionando ao encostar na escultura, meus olhos se encheram de lágrimas e realizei o quão potente é isso que estamos fazendo. Erguer um monumento pra mostrar que seguiremos de pé.
Para ir além da imagem e provocar uma reflexão mais ampla sobre como a memória é a semente para outros futuros, convidamos as professoras, pesquisadoras e escritoras Thula Pires e Eliana Alves Cruz para uma aula pública que lotou o anfiteatro da praça Mário Lago.
Em seguida contamos com o som vibrante do Dj Lene Gil e as histórias em ritmo de poesia do Slam Justiça por Marielle, puxado pela MC Martina. Afinal de contas, como boa leonina, Marielle não deixava de comemorar seu aniversário com música e cultura, e não poderíamos fazer diferente.
Tive que sair correndo da praça para ir pro aeroporto pegar o voo aqui pra Washington pra acompanhar a comitiva de organizações brasileiras que vieram dialogar com autoridades em defesa das eleições no Brasil.
Vim também participar da 2ª Marcha de Mulheres Negras que vai homenagear a Mari, além de outras mulheres negras latino americanas e caribenhas (estamos postando tudo sobre a viagem no meu perfil no instagram e no perfil do Instituto).
Mas, como falei, é muito difícil expressar o que significa tudo isso. Talvez só com o tempo a gente consiga entender.
Só espero que, onde quer que Mari esteja, ela esteja orgulhosa de nós e que siga guiando nossos passos por um mundo verdadeiramente justo.
E quero aproveitar pra te agradecer, do fundo do meu coração, em nome de toda a nossa família e equipe, por você seguir até aqui com a gente e nos fazer seguir em frente.
Fizemos questão de colocar na placa que essa iniciativa só foi possível graças a todas as pessoas que apoiaram e colocamos também a filosofia Ubuntu “Eu sou porque nós somos”, que é a prática política adotada pela Mari e por nós aqui na família e no Instituto.
Que possamos seguir em frente, defendendo nossas memórias, construindo políticas de reparação e semeando outra história para o futuro.
Um abraço apertado,
Com esperança, amor e saudades,
Anielle”
Anielle Franco – Diretora Executiva Instituto Marielle Franco